|
|
|
O
viajante espera calmamente na pequena estação de trem.
Acende um cigarro. Olha o relógio. Arruma o paletó.
Limpa os sapatos. Para, escuta, observa as crianças que jogam
futebol no campinho improvisado ao lado do armazém abandonado.
Não há pressa. Senta no banco de madeira envernizada
e ferro fundido. Estilo antigo, como tudo naquele lugar. Sente a
brisa, a natureza ao redor. Aprecia, vive o final da tarde. O sol
vermelho se esconde rápido realçando o contorno das
montanhas. Os últimos raios do dia refletem sobre os trilhos
brilhantes que se perdem na paisagem verde. Fecha os olhos. Lembra
de sua infância. Viaja em detalhes da memória. Os sons,
as vozes, o vento no rosto, os sorrisos. “Bons tempos”,
lamenta o viajante, ao ser trazido de volta ao presente pelo velho
relógio barulhento da estação que ecoa mais
um minuto. “São seis e quarenta e quatro! Mais cedo
ou mais tarde ele chegará, e eu seguirei viagem”.
Tudo no seu tempo!
O tempo....
Referência da vida, ritmo da música, grandeza física.
Observamos a natureza, os ciclos e o céu. Criamos o conceito.
Nos tornamos dependentes da nossa criação.
Indiferente, independente, dominou nossas equações.
Entrou no nosso dia-a-dia. Tornou-se rotina. Coisa normal. Algo
natural. Imutável. Ele, senhor absoluto. Nós, escravos
relativos. Mas...a nossa mente ainda é livre!
Teorias avançadas o distorcem. Contudo, ainda somos muito
lentos para acompanhá-las. Assim, imaginamos tudo em um universo
relativo. Surgem possíveis paradoxos. Falhas da nossa relativa
percepção. Aliás, pela nossa percepção,
a noção de tempo é sempre relativa! Veja bem...
Quando estamos atrasados, ele corre. Quando estamos com alguém
especial, ele voa! Quando esperamos impacientemente, ele atrasa.
Quando estamos em perigo, ele congela segundos em câmera lenta.
Na prática, o tempo algumas vezes funciona como uma moeda.
Ganhamos tempo fazendo várias coisas juntas. Ganhamos mais
tempo ainda vivendo cada momento. Perdemos tempo na fila do banco.
Perdemos mais tempo ainda explicando novamente o que alguém
não quer entender. Ganhamos ou perdemos, até apostamos
tempo nas urnas.
Ou seja, nesse contexto, e sem relógio, o “tempo”
depende de como nos sentimos. Depende de nossas mentes. Podemos
ser senhores, e não escravos. Podemos até viajar no
tempo utilizando nossas precisas e preciosas recordações!
Mas só para o passado! E sem interferir com nada, logicamente.
Já imaginou? Modificar o passado poderia ter consequências
imprevisíveis no presente! E no futuro então! Só
Deus, e a dona Salette (minha vizinha cartomante), sabem!
Brincadeiras à parte, quem já não sonhou com
viagens no tempo. Ver o futuro! Interessante pensar nessas coisas.
Todos nós podemos, de certa forma, retornar ao passado através
das nossas memórias. Alguns alegam que também conseguem
viajar para o futuro provável, nas suas previsões
e sonhos. Acreditar ou não nessas possibilidades é
um capítulo à parte. O fato é que, de qualquer
modo, aparentemente não temos como interagir em outro “tempo”
senão no presente, e muito menos viajarmos levando conosco
nossos frágeis e pesados corpos materiais.
Isse assunto já foi tema de muitos filmes de ficção.
Gerou também muitas questões sem resposta. Seriam
os “deuses” astronautas, ou viajantes do tempo? Haveria
um impedimento “natural” que explicasse a falta de contato
conosco, ignorantes humanos? Seria esse impedimento uma impossibilidade
física de interação? Ou seria a preservação
da história?
De fato, temos muitas questões sem resposta! Até quando?
Ninguém sabe. Só o tempo dirá! Certo mesmo
é que, um dia, o trem vai chegar na nossa velha estação
e seguiremos viagem. Enquanto isso, assistimos ao espetáculo
do pôr do sol, observamos as crianças brincando, apreciamos
a vida e contamos mais um ano no calendário.
Marcos
Pontes é astronauta, mestre em engenharia de sistemas,
engenheiro aeronáutico, piloto de provas de aeronaves,
consultor, empresário e colunista. Atualmente o astronauta
continua a disposição do Programa Espacial Brasileiro,
participando e assessorando nos seguintes projetos: participação
brasileira na Estação Espacial Internacional, Programa
Microgravidade, AEB Escola, Veículo Lançador de
Satélites, desenvolvimento de foguetes suborbitais e Satélite
SARA. No setor privado, Pontes atua como consultor técnico
e gerencial junto a empresas de renome, com ênfase nas áreas
de segurança do trabalho, gerenciamento de riscos, motivação
e gerenciamento de projetos.
A
reprodução deste artigo é permitida
desde que seja na íntegra e que seja citada a fonte:
www.marcospontes.net |
|
|
|